O dia 04 de Março de 1861 não nascia auspicioso.
Abraham Lincoln, décimo-sexto presidente dos EUA, fazia seu discurso de posse num Capitólio ainda em construção, reflexo, ao mesmo tempo, da esperança na construção de uma democracia forte, mas também de angústia por essa mesma democracia ser ameaçada de rachar por dentro, seus próprios filhos em luta fratricida.
Nesse discurso, Lincoln apelava “aos melhores anjos de nossa natureza”, buscando a razão ao invés das armas para resolver a crise que já fizera vários estados do sul declararem a Secessão, descontentes com o que consideravam “tirania do norte, a ameaça à verdadeira liberdade”. Não era um problema novo, as diferenças já tinham criado diferentes modos de vida, pensamentos e modos políticos diversos, e ninguém ficou surpreso quando tais diferenças se tornaram irreconciliáveis a ponto de o apelo do presidente ser ignorado e o país ser arrastado para quatro anos de guerra em que mais americanos morreram do que todas as guerras posteriores somadas. O país sobreviveu, mas com cicatrizes que, até hoje, ainda não fecharam totalmente.
Hoje, na reunião do Conselho de Segurança da ONU, que delibera a situação de guerra Israel X Hamas, pode-se perceber o mesmo apelo da parte de mentes mais sensatas, buscando soluções que passem pela mesa da diplomacia, mas as dissensões de parte a parte entre os membros do Conselho mostram que algumas coisas não mudaram e que, como de hábito, as primeiras baixas da guerra são: a verdade e a razão. Não se questiona aqui o direito à existência e à dignidade enquanto nações dos dois beligerantes – ambos têm os mesmos direitos – mas a recusa de ambos em resolver tudo na mesa de negociações, as partes sendo meros peões políticos de um jogo bem maior que a Faixa de Gaza, palco de toda essa inenarrável violência.
Os nossos melhores anjos estão aí, na espera dos apelos dos homens, mas os corações endurecidos , os mesmos que aniquilam a razão e a verdade, não permitem que os apelos se materializem, e mais uma vez uma casa dividida ameaça a paz, extremismos que não dão ouvidos a nada .
Mesmo aqui, em nosso país, esse extremismo ameaçou a democracia, criando iguais cicatrizes , dividindo amizades e famílias, feridas que sabe-se lá quando serão curadas, se de fato forem…
Minhas preces são para que jamais deixemos de acreditar nos melhores anjos.
Que eles nos resgatem de nossa inumanidade…
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